Sumário:

Título Principal: Inovação em saúde: como a lógica do Nobel de economia ilumina o caminho

Fonte: MIT Sloan Management Review Brasil

Data de Publicação: 31 de outubro de 2025 (Atualizado em 3 de novembro de 2025)

🧠 A lógica econômica da inovação e a “destruição criativa” na saúde

O artigo “Inovação em saúde: como a lógica do Nobel de economia ilumina o caminho”, escrito por Gustavo Meirelles e Gustavo Pedreira, utiliza as teorias fundamentais do crescimento econômico. O texto parte da pergunta central de Adam Smith — por que algumas nações (ou empresas) prosperam enquanto outras estagnam? — para argumentar que o setor de saúde está perigosamente preso à estagnação, apesar do surgimento de tecnologias revolucionárias como a Inteligência Artificial.

O pilar central do artigo é o conceito de “destruição criativa” de Joseph Schumpeter. Para Schumpeter, o progresso econômico não é um processo suave, mas um “vendaval perene” onde o novo (tecnologias, modelos de negócio) destrói ativamente as estruturas antigas e menos eficientes.

Durante décadas, a teoria econômica dominante (como o modelo de Robert Solow) reconhecia a tecnologia como o principal motor do crescimento, mas a tratava como um “fator exógeno” — uma “caixa-preta” mágica. O artigo aponta que o Prêmio Nobel de Economia de 2025 (concedido a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt) finalmente “abre essa caixa-preta”, explicando formalmente como o motor da inovação de Schumpeter funciona.

O desafio: a tirania das ideias antigas

Antes de detalhar as lições do Nobel, o artigo foca na principal barreira à inovação. Citando John Maynard Keynes, o texto argumenta que “a dificuldade não reside nas novas ideias, mas em escapar das antigas”.

Organizações e setores inteiros constroem suas identidades, hierarquias e modelos de receita em torno do sucesso passado. A inovação disruptiva (como a Netflix para a Blockbuster, ou o smartphone para a Kodak) não é rejeitada por ser uma tecnologia ruim, mas por exigir que se “desaprenda” algo antigo e lucrativo.

Esse é o “fato essencial” de Schumpeter: sem a destruição dos modelos vigentes, não há criação de novo valor, e a economia (ou o setor) cai em estagnação.

As Lições do Nobel de 2025

Os laureados de 2025 forneceram o “manual de instruções” desse motor de inovação:

  1. Joel Mokyr (Cultura e Dependência de Trajetória): Mokyr explica que a inovação sustentada só decolou nos últimos 250 anos por dois motivos. Primeiro, uma mudança cultural onde o conhecimento científico (o “porquê” as coisas funcionam) passou a colaborar ativamente com o técnico (o “como” fazê-las). A invenção deixou de ser um acidente para se tornar um processo.Segundo, Mokyr introduz a “dependência da trajetória”: as regras, costumes e leis criadas no passado “trancam” o futuro, tornando difícil adotar um caminho novo, mesmo que superior. A inovação só floresce onde as instituições são flexíveis para vencer a resistência do antigo.
  2. Aghion e Howitt (O Motor da Competição): Eles explicam o crescimento como uma corrida. Uma empresa investe em P&D para ganhar uma vantagem temporária (lucros). Esse “prêmio” é o incentivo. No entanto, esse sucesso imediatamente atrai concorrentes que investem para criar algo ainda melhor. O crescimento sustentado exige um equilíbrio delicado: deve haver competição (para forçar a inovação) e recompensa (para justificar o risco do P&D).

Saúde: o setor preso na “dependência da trajetória”

O artigo argumenta que o setor de saúde é o exemplo perfeito da “dependência da trajetória” de Mokyr. O sistema atual não foi desenhado de forma lógica; ele evoluiu.

  • A Trajetória Antiga: O modelo dominante é o cuidado episódico e reativo, centrado no hospital e remunerado pelo fee-for-service (pagamento por procedimento). A regulação foi desenhada para uma era analógica (aprovar moléculas e hardware), não para validar algoritmos.
  • O Vendaval (A Nova Tecnologia): IA, saúde digital, telemedicina, genômica e wearables.
  • O Conflito: Essas novas tecnologias não foram desenhadas para otimizar o fee-for-service. Elas foram desenhadas para um modelo radicalmente oposto: cuidado preditivo, preventivo, contínuo e focado em valor (desfecho).

É por isso que a inovação parece travada. A telemedicina encontra resistência por ameaçar o modelo de negócios da consulta presencial. A interoperabilidade de dados falha não por ser impossível, mas porque os dados são usados como “ativo estratégico de retenção” — um silo que protege o status quo do hospital ou laboratório. O artigo chama isso de “ludismo moderno”: usar lobby e captura regulatória para impedir que novos modelos ameacem a posição dominante.

🩺 A relação com a radiologia: epicentro da destruição criativa

Embora o artigo não cite nominalmente a radiologia, este setor é, talvez, o exemplo mais nítido e imediato de todos os conceitos apresentados. A radiologia, e especificamente a telerradiologia, está no epicentro desse conflito.

  1. Dependência da Trajetória (O Modelo Antigo): O modelo de negócios tradicional da radiologia é a definição do fee-for-service. Clínicas investem milhões em equipamentos (hardware, na lógica do artigo) e são remuneradas por procedimento (volume de laudos). O radiologista é a peça central desse modelo de “cuidado reativo”.
  2. O Primeiro Vendaval (Teleradiologia): A própria telerradiologia foi uma “destruição criativa”. Ela usou a tecnologia para quebrar a dependência física do hospital, desafiando a premissa de que o especialista precisava estar in loco. Ela foi a primeira onda que transformou um serviço físico em um serviço de dados, baseado em nuvem.
  3. O Vendaval Atual (Inteligência Artificial): A IA generativa e os algoritmos de deep learning são o “vendaval perene” de Schumpeter para a radiologia. Eles não ameaçam apenas “otimizar” o trabalho; eles ameaçam o core da atividade: a interpretação da imagem.
  4. A Resistência (A Tirania das Ideias Antigas): A resistência à IA na radiologia, como aponta a lógica de Keynes, não se dá (apenas) por uma questão de acurácia. Ela se dá porque ameaça o modelo de remuneração. Se um algoritmo pode laudar um exame de tórax, como fica o fee-for-service do radiologista? A “ideia antiga e lucrativa” (pagamento por laudo) é a maior barreira para a adoção da “ideia nova” (laudo assistido por IA, focado em desfecho e prevenção).
  5. Silos de Dados: A barreira que o artigo cita sobre interoperabilidade é o maior problema da IA em radiologia. Os algoritmos precisam de dados massivos para treinamento e validação. No entanto, os hospitais (incumbentes) mantêm seus sistemas PACS como “ativos estratégicos”, impedindo a fluidez de dados que permitiria a rápida evolução da tecnologia.

A Estratégia Dupla e a Conclusão do Ecossistema

O artigo conclui que a saída para esse impasse não é o falso dilema entre “criar” tecnologia própria (caro e restrito) ou “adotar” tecnologia de fora. A estratégia vencedora é dupla e simultânea:

  1. Frente de Criação: Focar em nichos onde o país/setor tem vantagem competitiva (ex: terapia celular no Brasil).
  2. Frente de Adoção: Ser o melhor e mais rápido integrador de tecnologias globais (como plataformas de IA). A adoção ágil é uma forma de inovação.

A radiologia novamente exemplifica isso: uma empresa de telerradiologia adota plataformas de nuvem e PACS para criar um serviço de nicho (laudos a distância) adaptado ao mercado local.

A solução final, segundo o artigo, não virá de ações isoladas, mas da orquestração de ecossistemas de inovação. Nesses ecossistemas, os atores mudam de papel:

  • Incumbentes (Hospitais): Deixam de ser fortalezas e agem como plataformas, abrindo problemas e dados.
  • Startups (Healthtechs): São o motor da destruição criativa.
  • Academia: Fornece talento e validação (o “porquê” de Mokyr).
  • Reguladores: Deixam de ser “guardiões do passado” para serem “arquitetos do futuro”, criando sandboxes e forçando padrões (interoperabilidade) e novos modelos de remuneração (como value-based care).

A mensagem final é inequívoca: a IA e a transformação digital são o “vendaval” de Schumpeter. Tentar proteger o status quo (fee-for-service, hospital-cêntrico) é uma “receita garantida para a estagnação”.

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